[frederico canuto]
Normalmente, a arquitetura é sempre pensada tanto como um objeto de contemplação, o que aproxima-a à arte de acordo com o senso comum, bem como detentora de especificidades técnicas e construtivas. Impossível pensar num belo edifício, ‘quase-arte’, sem pensar que deve haver uma estrutura que o sustente e que permita que ele não caia ao longo dos anos. Porém, a arquitetura, tal qual a arte como colocado acima, não é só dispositivo, mas engrenagem dentro de um mecanismo chamado mercado imobiliário. Por sua vez, esse mesmo mercado não é um desvinculado de quaisquer outras dimensões econômicas, como a política e/ou social do país, e mesmo do mundo. Esse mercado faz parte de um mercado de terras homogêneo mundial, onde o valor real e virtual do lote e da porção de terra é que dirá que tipo construção é essa que será feita.
O valor real de um imóvel é dado pelo valor gasto em sua construção. Materiais, mão de obra, especialistas técnicos – normalmente o arquiteto é supérfluo nessa conta porque o engenheiro pode fazer o mesmo trabalho que ele por um preço menor ou o cliente pode comprar uma revista [Projeto Fácil] – alvarás de construção, habite-se, IPTU, presença de elevadores, área construída, número de quartos, área de varanda e número de vagas de garagem são todos parâmetros para se avaliar quanto custa determinado imóvel. O mesmo se aplica para o preço real de um lote, que influi indiretamente no preço da construção, mas com outros critérios: ruas com esgoto canalizado, asfaltamento, luz elétrica, distância do centro, proximidade de shopping centers ou de regiões valorizadas da cidade, índice de violência, arborização, tamanho das caladas, vizinhança.
Já o valor virtual referido acima diz respeito ao lote, ou seja, a terra, objeto de discussões infindáveis e manifestações como invasões de fazendas e edifícios abandonados nos grandes centros urbanos por conta de movimentos como o MST, Movimento sem Teto e Movimentos de Luta por Moradia. Esse valor virtual se relaciona com o preço que determinada porção de terra terá SE determinadas condições forem mudadas. Um exemplo: uma porção de terra, afastada da cidade, sem acesso asfaltado e sem luz e água, tem um custo baixo. Porém, se tais condições mudarem, o preço aumenta. O mesmo aconteceria se houver notícias de que haverá outras mudanças como um empreendimento imobiliário nessa direção, ou a abertura de supermercados, ou o asfaltamento das estradas de acesso. Dessa maneira vão aparecendo os chamados vetores de crescimento na cidade. O que acontece é uma valorização do terreno dada pela sua melhoria infra-estrutural que apontará direções de desenvolvimento para a cidade como um todo.
De acordo com o historiador da arquitetura Lewis Mumford, no seu livro A Cidade na História, no século XIX, após grandes transformações urbanas acontecidas em Paris e que dão início ao seu acelerado crescimento urbano, o que caracterizavam as casas recém-construídas era a falta de estacas cravadas no solo que garantissem sua permanência. A falta de estacas, o que significa inexistência de fundações ou alicerces, nas bases das casas não era solução para algum tipo de problema tecnológico específico daquela época, mas garantia de que quando determinado lote aumentasse seu valor devido a rapidez do desenvolvimento da cidade e valorização de seus espaços, a demolição da casa seria fácil e o menos custosa possível. Ou seja, a casa se tornara objeto provisório. A casa deveria ser facilmente destruível porque seu valor poderia ser aumentado com investimentos. Virtualmente, o valor do lote poderia demandar um tipo de construção outro que fosse mais condizente com a região recém-valorizada. Tal fenômeno urbano é visível até hoje se for pensado que casas e prédios inteiros são destruídas, fazendas desmembradas e transformadas em novos bairros, sítios desapropriados em certas regiões das cidades brasileiras para dar lugar a condomínios fechados, prédios de alto luxo e infra-estrutura como shopping centers, supermercados, concessionárias e áreas verdes.
A arquitetura tem um valor que transcende questões subjetivas como ser local de memórias familiares e individuais, espacialização de uma esfera pública, abrigo contra intempéries entre outros. Ao mesmo tempo, ela é materialmente realista justamente porque obedece leis de mercado como as descritas anteriomente. Longe de pensar que a opção de pensar a arquitetura é uma ou outra, ela faz parte desses dois mundos.
Todavia, o estatuto do profissional arquiteto dado pelo senso comum é sempre aquele que pontifica e intensifica a missão artística e embelezadora da arquitetura. Beleza é arquitetura, pois funcionalidade é engenharia. Independente desse juízo deturpado de funções profissionais, um outro fato aparece. Para além de julgamentos redutivos e discussões superficiais onde o resultado é sempre a afirmação de que a arquitetura é arte e engenharia, funcional e estrutural, a pergunta que é lançada é se quem trabalha dentro desse mercado imobiliário que dita rumos de crescimento da cidade, direções de investimentos, enfim, produz a cidade de certa forma? Nas empresas do ramo imobiliário, aqui consideradas como as direcionadores do crescimento da cidade como construtoras e imobiliárias, os profissionais são: corretores, secretárias, office boys, engenheiros de diversos ramos como a civil e a hidráulica, pedreiros, mestre de obras, marceneiro, carpinteiro, publicitários, designers de móveis, advogados, administradores, economistas, médicos do trabalho, e arquitetos.
Se a arquitetura pretende retomar sua função política sobre a produção do espaço, ou seja, de apontar vetores de crescimento que não obedeçam apenas a lógica imobiliária e financeira, ela deve rever sua função embelezadora . Não deve ser inocente ao achar que sua única função é essa. Também é funcionalidade e técnica. Porém, ser um arquiteto consciente de sua própria condição, profissional inclusive, e não apenas do campo de trabalho da arquitetura, é saber que a arquitetura é um negócio!
Nenhum comentário:
Postar um comentário